segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A MONTANHA DA NEVE

Acenderemos fogos na montanha.


Lenhadores, a noite se aproxima

e astro nenhum trara nos escaninhos.

Trinta fogueiras hoje acenderemos.



Porque a tarde quebrou há pouco um vaso

de sangue no horizonte. E é mau agouro.

Juntos fiquemos ao redor do fogo

para que não habite em nós o espanto.



Esse fragor de catadupas lembra

um incansável galopar de potros

pela montanha. Enquanto sobe um outro

fragor de nossos temerosos peitos.



Dizem que pela noite o êxtase negro

os pinheiros esquecem, e a um estranho

sinal secreto, sua multidão

move-se, vagarosa , na montanha.



A esmeralda da neve então adquire

riscando a treva um arabesco oblíquo.

Sôbre o ossário da noite que se estende

representa um bordado de ossos, lívido.



Há um alude invisível que dos montes

desliza mas não chega ao vale inerme.

Há morcegos quevêm, de asas rugosas,

roçar o rosto do pstor que dorme.



Dizem que pelos cimos apertados

da serra próxima, andam junto à sombra

daninhos animais que o vale ignora

nascidos , como grenhas, da montanha.



Já me penetra o coração frio

do cume ao lado. Penso: porventura

os mortos que deixaram por impuras

as cidades, escolhem o regaço



recôndito e êrmo dos desfiladeiros

de escarpa azul que alba nenhuma banha

e, quando a noite adensa seus betumes,

tal como o mar invadem a montanha.



Rachai troncos espessos e fragrantes,

pinheiros que dão chama abrasadora,

apertai bem o cerco da fogueira

porque há frio e angustia, lenhadores.
 
GABRIELA MISTRAL
 
 
 
 
É preciso ler boa parte do que GABRIELA MISTRAL escreveu,
para entender a preciosidade de sua obra.
 

 

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